terça-feira, 25 de maio de 2010

Velório

Naquela quarta-feira, chovia muito, ainda era bem cedo, mas as quatro estavam de pé na sala fria e mal iluminada, em volta do caixão onde a mãe delas estava. A filha mais velha estava debruçada inconsolável sobre o caixão, a caçula sentou-se no chão com o rosto nas mãos, imóvel. A segunda filha tomava café e a terceira lamentava-se recostada na parede. Depois de algum tempo, a segunda filha falou:
-Não sei por que se lamentar tanto Agnes, não há mais o que fazer, ela SE FOI!
Agnes, a filha mais velha, enxugou as lágrimas e falou com voz embargada:
-É claro que não sabe Estela! Você não passava tanto tempo com ela, só eu cuidei dela, SÓ EU!
Marisa, a terceira filha, protestou:
-Só você não, Agnes! Eu sempre fiquei ao lado dela, você MORAVA com ela mas eu a visitava todos os dias!-Tem razão_Agnes reconsiderou_, apenas Estela não se importava.-Alto lá!_Estela protestou_ Eu pelo menos não discutia com ela sempre que a encontrava, não fui morar longe dela como a Lana!Lana, a filha caçula, que estava em silêncio até então, levantou o rosto molhado de lágrimas e falou:
-Discuti. Fui morar em outra cidade, sim, admito. Mas vocês? Admitem tudo o que fizeram? Sabem o por que discutirmos tantos e da minha mudança? Vocês três_Lana tinha amargura na voz.-Ciumenta_Marisa sussurrou
-Ciumenta!?_Lana levantou com um salto_ Ingrata, briguenta, ciumenta, o que mais? Vamos, me acusem! FALEM O QUE PENSAM!-Você está louca, Lana!_Agnes disse-Louca? Nunca estive mais lúcida em toda a minha vida. Vocês vivem me apontando, dizendo que sou isso e aquilo, mas nunca falam de si mesmas. Estela, a revoltada, a nossa rebelde sem causa. Que tal sabermos de toda a verdade Estela? Você é assim, por que aos 14 aninhos, estava afim e um cara de 26 anos, um... atorzinho de teatro? Era isso que ele dizia ser? Um CAFETÃO, isso é o que ele era! Se tornou tão amargurada depois dessa desilusão amo...
-Sua..._Estela interrompeu e tentou enforcar Lana, mas as irmãs a detiveram, vencida ela continuou_ Ele me amava, me contou toda a verdade, EU menti!-São detalhes contestáveis. E agora, nossa querida Marisa. Tão amorosa Marisa, quem sabe o que esconde por trás de tanta bondade e beleza? Eu descobri, e esse seu ar de boa moça não me engana há tempos! Você pode enganar aqueles gringos idiotas para tirar a grana deles, mas qual o preço tem que pagar? Sai com os gringos, faz os caras pagarem seus luxos, e depois? O que mais acontece? Quando falei para a mamãe, ela disse apenas "Ela não faz nada de mais com eles..."
-E NÃO FAÇO MESMO!_ Marisa defendeu-se_ E mesmo que fizesse, não é da sua conta!
-Ah não? E quando um deles te encontrou há três anos e ameaçou matar a mamãe? E aquele alemão que te deu uns tapas?
-Então naquela época você estava tão desesperada por isso!?_Agnes gritou_Um dos seus golpes deu errado e a mamãe quase pagou por isso?
-Não atire pedras assim, Agnes_Lana continuou_, seu telhado também é de vidro. Acha que não sei que você embolsava boa parte da aposentadoria da mamãe? VOCÊ foi a culpada por ela ter definhado... Quer saber? Todas vocês são culpadas! Uma a estorquia, outra é afim de um cafetão desde adolescente e a outra é uma vadia estelionatária, VOCÊS a mataram e me fizeram passar DOIS ANOS longe dela! Ela acreditou em vocês, acreditou que mudaríam! E eu_ela riu com amargura enquanto uma lágrima molhava seu rosto, depois prosseguiu rouca_, eu acreditei que ela ficaría bem, mesmo nesse covil, só quando soube que ela estava internada, percebi o quanto estava enganada...
-Oh! Santa Lana!_ Estela falou ironicamente
-Até pensei que podería cuidar dela e_Sem dar atenção, Lana continuou com voz embagada_, quando ela estivesse melhor, eu a levaría comigo e cuidaría bem dela.
Depois de todas as pedras atiradas, a mãe delas foi sepultada, o manto da culpa recaiu sobre Agnes e ela se tornou alcoólatra; o manto da liberdade recaiu sobre Estela e ela reencontrou o cafetão por quem sempre fora apaixonada; o que restava de pudor para Marisa foi jogado pelo ralo e seu repertório com os gringos cresceu; Lana, tão jovem e tão amargurada, passou a relatar as desventuras que, nas entrelinhas, maculavam seu sobrenome nas asas da literatura. Lana escreveu sem pudor ou vergonha, a história de sua família e o que possivelmente aconteceria à suas irmãs. Apesar de toda a amargura, Lana foi a única que casou_com todas as formalidades_, e encontrou alguém que lhe devolvesse as cores da vida.

→Gaby

2 comentários:

  1. ah, coitada da mãe delas.Mas elas precisavam ouvir umas verdades mesmo. Parabéns Gabi, ótima história, se superando cada vez mas como sempre.Só você para imaginar esse tipo de situação!

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