quarta-feira, 31 de julho de 2013

A entrevista (parte 1)

            -Srtª Winchester_ a voz da governanta despertou Isabella de seu devaneio_ o repórter a espera na sala de estar.
            -Obrigada srª Jacobs, já estou indo.
            Quando a governanta deixou o escritório, Isabella guardou na gaveta as várias fotografias que espalhara pela escrivaninha e foi ao encontro do repórter. A jovem senhorita Winchester se tornara uma escritora de sucesso em pouco tempo, publicando a trilogia “A imortal”, sobre a vida e os trágicos romances de uma vampira.
            O repórter sorriu ao ver a escritora, ela era uma bela mulher de longos cabelos ruivos, olhos azuis, lábios rosados e corpo esbelto. Ela se aproximou e os dois apertaram as mãos.
            -Srtª Winchester, sou David Jackson, do The New York Times.
            -Pode me chamar de Bella.
            -Ok, Bella_ ele disse seu nome como se saboreasse a palavra e ligou o gravador. Como surgiu a ideia de “A imortal”?
            -Tudo nasceu de um sonho, então a história criou vida e teve vontade própria.
            -Helen, a protagonista, começa como uma jovem doce e sonhadora, então se torna amarga e termina deprimida. Durante toda a história ela busca e luta por amor, mas acaba sozinha na eternidade. O primeiro amor a abandona e o segundo morre. É um final triste, dá a impressão de que não vale a pena lutar por amor. É nisso que você acredita?
            -Quando se tem que lutar por alguém como Adam, realmente não vale a pena. Mas por Benjamin sim. Adam queria diversão e eternidade, Benjamin queria uma família e Helen queria apenas amor._ um nó se formou na garganta de Bella e ela respirou fundo para continuar_ Mas todos procuraram no lugar errado.
            -Adam e Benjamin procuraram algo em Helen, era ela o lugar errado?_David arrependeu-se da pergunta ao ver que a escritora o fuzilou com o olhar.
            -Se Adam queria diversão, não devia ter casado, muito menos com uma humana. Se Helen queria amor, não devia ter aceitado um homem frívolo nem atendido ou perdoado seus caprichos. Se Benjamin queria uma família, não era com uma vampira que conseguiria. Mas a vida é assim, as pessoas cometem erros e Helen teve a eternidade para arrepender-se dos seus.
            -Ela também se arrepende do tempo que viveu com Benjamin?
            -Não, _Bella sorriu_ ela amou muito o lobisomem e com ele foi feliz como jamais foi com o vampiro. O amor que Helen tinha por Benjamin foi tão grande que, mesmo incapaz de morrer, ela absteve-se da vida. Deitou-se ao lado do leito eterno de seu amado e, pela primeira vez em duzentos anos, ela dormiu. Dormiu para não viver em um mundo onde Benjamin não mais vivesse.
            -Você fala desse amor com tanta ternura... Benjamin foi inspirado em alguém em especial?
            -Todos eles representam pessoas reais.
            -Então a trilogia é inspirada em uma história real e não em um sonho?
            -O fato de ser inspirada em uma história real, não exclui o sonho, afinal foi de um sonho que nasceu a magia e a imortalidade.
            -Assim como Helen, você é órfã e cresceu sob os cuidados de um tio. Há mais alguma coisa em comum entre vocês?
            -Tantas que eu não poderia dizer. Quando escrevi a Helen, lhe emprestei meu coração e minha alma, nós duas temos algo da outra.
            -Dividiriam a mesma história triste?
            -Você acha que casei com um vampiro, _Isabella brincou_ depois com um lobisomem e que agora estou adormecida em um mausoléu? _os dois riram_ Acho que muitas pessoas poderiam se identificar com a história da Helen.
            -Sim, certamente. Mas e você, Isabella Winchester, se identifica com a história?
            A escritora tentou disfarçar, mas David percebeu que a pergunta a deixara tensa. Um segundo depois ela sorriu e falou:
            -Passei tanto tempo escrevendo “A imortal” e pensando como Helen, que era como se eu vivesse cada momento da história, poderia até mesmo dizer que vivi. Senti cada sorriso, lágrima, dor, medo, esperança, saudade... Senti tudo o que Helen sentiu.
            -Você parece estar se esquivando da minha pergunta.
            Novamente Bella fuzilou o repórter com o olhar, mas tentou não parecer irritada quando respondeu.
            -Não estou me esquivando. O que eu quis dizer é que quando alguém se envolve de verdade com uma história ela se identifica. A maioria das pessoas já teve pelo menos uma desilusão amorosa ou uma grande perda, e histórias assim trazem à tona esses sentimentos.
            Nada que Bella dissesse faria David mudar de ideia, ele estava certo de que “A imortal” se tratava da história da autora com várias metáforas.     -E quanto ao amor? Helen se mostra muito intensa quando o assunto é amor, assume qualquer risco. Você é como ela ou prefere ir mais devagar?
            A autora achou que aquele repórter era um bocado curioso, mas respondeu mesmo assim.
            -Já fui tão intensa quanto ela, mas agora vou devagar com o amor. Esse pode ser um território bem perigoso.
            A nova informação era um prato cheio para a insaciável curiosidade de David, que não demorou a disparar:
            -Então você já teve uma desilusão tão grande quanto a de Helen.
            Não era uma pergunta e isso deixou Bella mais irritada. Ela teve que respirar fundo antes de falar.
            -Não vou negar, nem contar detalhes, foi há muito tempo.
            -Todos os meses você leva flores ao cemitério e as deposita em três túmulos. Dois deles são dos seus pais, e o terceiro?
            Esta foi a gota d’água, Isabella já não suportava a impertinência do repórter, mas ela não seria grosseira.
            -Sr. Jackson, acredito que já desviamos o suficiente o foco da entrevista.
            -Desculpe.
            Pela primeira vez David pareceu desconsertado, e a escritora gostou disso. O repórter arrumou seus óculos enquanto buscava na mente a próxima pergunta e só então Bella notou que seus olhos eram verdes. E mesmo que ela não admitisse, se sentiu atraída por ele.
            David era alto, loiro e bonito, os óculos lhe davam um ar intelectual. A autora teve que afastar o pensamento de que ele seria namorável se não fosse tão curioso. Por fim ele quebrou o silêncio.
            -O fim da saga foi um tanto surpreendente para os fãs, todos esperavam que Helen tivesse um final feliz. Este final seria a possibilidade para uma continuação?
            -Desde o começo Helen sabe que morrerá de um mal incurável e não deixará descendentes, uma cigana prevê seu futuro. Mas a morte que a cigana fala é uma metáfora, afinal a vampira tem toda a eternidade pela frente, mesmo que adormecida. E não nego que um dia possa haver uma continuação, mas não é uma certeza.
            -Os fãs torcem por uma continuação.

            Ao fim da entrevista, os dois se despediram formalmente. Mas aquela conversa dominaria os pensamentos deles por um bom tempo.

Gabriela G. Bastos
A vida de Sangue&Alma

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Choro

     A dor não era minha, mas tomei-a de empréstimo, senti-a florescer no âmago do meu ser e chorei.
     Chorei como chora o vento quando erra pelas planícies verdejantes, uivando na madrugada fria, varrendo os resquícios da noite sem luar.
     Chorei como choram as nuvens cinzentas, desmanchando-se em gotas pesadas, desabando do céu em torrentes, soluçando trovões e lamentando-se no clarão de um relâmpago.
     Chorei como choram as folhas no outono, que se desprendem de suas árvores e largam-se na vastidão do mundo para perder-se eternamente.
     Chorei como chora a própria dor, com as lágrimas vertendo do coração, emanando o calor da alma e imprimindo vida ao pranto.

     Chorei, então a dor tornou-se minha.

A vida de Sangue&Alma