quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Bipolar

    A meio caminho do fundo – o fundo do poço – contemplo meu copo meio vazio. Observo o mundo pelas lentes do pessimismo – depressão. Oh mórbida falência! Martirizada em meus devaneios, morta em vida, sorrisos irônicos e malogrados, ébria em bipolaridade.
   Enferma, a caminho de sucumbir no obscuro delírio chamado vida, inerte em alucinações, em meio à nuvem poluída de sonhos não concre
tizados. Havia chegado meu fim, ou do que restara de mim. Sim, eu estava pronta, meu corpo desfalecia e voltava ao pó, fechei os olhos e deixei que meus pensamentos tomassem um novo rumo.
   Mas então a amargura sitiava-me o coração, imprimindo-lhe uma aura gélida – mesquinha. Ela punha a dor num pedestal e venerava-a: “Gloriosa dor, sois a mais bela entre as belas, vinde e abraçai-nos”.
   -Parasita! Repugnante! Flagelo dos sentimentos, desprezível amargura, abomino-te! Abandonai este coração, exorcizo-te!
   Exausta, nessa discussão solitária, sorrio e desfaleço, lançada no vazio – infinito vazio.




A vida de Sangue&Alma

e

Andressa S. Alves

O pacto

   Após uma discussão, ele perguntou-lhe:
   -Não que eu pretenda fazer isso, mas... Se eu a abandonasse, seguirias sua vida normalmente?
   Ela sentiu um nó que se formava em sua garganta, engoliu-o e olhou para cima para que as lágrimas não despencassem dos olhos. Numa fração de segundos, ela imaginou que se ele o fizesse, teria seus motivos, e se ela realmente o amava, deveria respeitar sua 

decisão, mesmo que seu coração estivesse dilacerado. Ela teria que recolher os pedacinhos doloridos e então juntá-los aos poucos.
   Seria-lhe negado até mesmo o direito de mostrar-se triste longe dele, pois ninguém deveria conhecer sua dor – já que desconheciam a causaria. Durante um tempo indeterminado, ela sofreria, mas depois seguiria sua vida, esperançosa de que ele estaria bem. Talvez, após alguns anos, ainda lhe fosse amargo saber que ele refez sua vida, mas dentro dela, algo diria “Ao menos ela pode fazê-lo feliz, assim como eu não pude. Só espero que ela não desperdice sua chance como eu fiz”.
   Ela o amava mais que a si mesma, e somente por esse motivo seria capaz de seguir em frente. Mesmo que seu maior desejo fosse tê-lo eternamente ao seu lado e que o ciúme sempre apunhalasse seu coração, ela o deixaria livre, pois acima disso, estaria a felicidade dele.
   Passado um segundo da pergunta, ela simplesmente assentiu. Ele baixou a cabeça e ensaiou um sorriso breve e disse:
   -Bom saber.
   Ele virou-se para partir, mas ela segurou-o pelo braço, e com a voz embargada, conseguiu balbuciar algumas palavras.
   -Sim, eu seguiria em frente, sem deixar que os outros notassem minha dor, mas não por ser forte, e sim por te amar demais. Eu respeitaria tua decisão e mesmo que me doesse muito, tentaria seguir em frente. E se eu ñ olhasse para trás, é porque ainda teria o poder de estraçalhar-me novamente o coração.
   Ele virou-se para ela, abraçou-a e disse:
   -Nunca a abandonarei.
   Seus corações batiam simultaneamente, unidos nesse abraço que traduzia a veemência de seus sentimentos e um beijo salpicado de lágrimas selou aquele pacto entre os dois.


A vida de Sangue&Alma

domingo, 9 de setembro de 2012

Lembranças açucaradas


   Em uma manhã de outono, ela sentou-se sozinha em meio as folhas caídas, seu olhar perdeu-se no horizonte e um sorriso bobo desenhou-se lentamente em seus lábios rosados. O pensamento flutuava, cada vez mais distante.
   Seu coração descrevia cada detalhe das lembranças açucaradas, cada gesto daquele que liquefez sua solidão. Os olhos escuros e serenos por detrás dos óculos, um sorriso tímido, uma voz grave e displicente e a mão esquerda que lhe escrevia doces palavras. Ela tinha seu amor, mas não sua presença física. Jamais sentira seu abraço.
   O sorriso da jovem oscilou, mas segundos depois voltou a brilhar com mais intensidade, seu objetivo tornava-se cada vez mais nítido no rosto.
   Ela levantou-se confiante, com a certeza de que o lugar de seu coração era junto ao dele, unidos de tal forma que deixariam de ser dois para ser um.

A vida de Sangue&Alma