A história a seguir é inspirada em fatos reais
Inglaterra, 1825
Após a sétima despedida
De um mal incurável será a sua partida
Descendentes não vai deixar,
Mesmo depois de o lobo guiar
Só depois que o celeste vier
A eternidade poderá viver
Helen acordou assustada no meio da madrugada, mais uma
vez sonhara com a velha cigana cega que previu seu futuro anos atrás. Aqueles
versos a assombravam, ela não entendia as metáforas sobre o lobo e o celeste,
nem como poderia viver pela eternidade se morreria de um mal incurável. Ela
seria um fantasma? E não deixaria descendentes? Que sorte triste!
Mas ela preferia não pensar assim, afinal seu tio lhe
conseguira um noivo, Albert, um jovem bonito e de boa família. Helen confiava
na escolha do tio, que cuidou dela desde a misteriosa morte de seus pais. Todos
diziam que seus pais foram mortos por ataque animal, e mesmo isso parecendo
impossível naquela região da Inglaterra, houve vários casos parecidos.
A jovem tentou não pensar na profecia durante aquele dia,
que era o mais importante de sua vida: seu casamento. Ela esteve deslumbrante e
estava claramente feliz, mesmo que conhecesse pouco Albert, se apaixonara por
ele. Depois da festa, os recém-casados viajaram para Londres.
Nos primeiros meses de casamento, Helen começou a
perceber que Albert era ambicioso e vaidoso, mas isso não afetou em nada o amor
que ela tinha pelo esposo. Passado um ano, nasceram os gêmeos Lucy e Louis.
Diferente do irmão, a menina tinha saúde frágil e morreu antes do primeiro
aniversário sem que nada pudesse ser feito. Despedaçada pela morte da filha,
Helen dedicava seus dias a cuidar de Albert e Louis, eles eram sua vida.
Três anos se passaram desde então, era uma noite de
inverno quando Albert entrou pela porta da sala assustado e com a roupa suja de
sangue. Assustada, Helen quis saber o que houve e se o esposo estava ferido.
Ele sentou-se no sofá, disse que não estava ferido e com ar sombrio lhe disse
que os humanos não estavam sozinhos, vampiros eram reais. A princípio Helen pensou
que Albert estivesse maluco ou tentando pregar-lhe uma peça, mas então ele mostrou
que era um deles.
A visão das presas deixou a mulher horrorizada e com
calma, Albert explicou-lhe como isso aconteceu. Ele flagrara um amigo atacando
um de seus funcionários e surpreendeu-se ao ver que o agressor era um vampiro.
Descoberto, o vampiro virou-se para Albert e disse que teria de matá-lo, mas
então ele pediu ao amigo que o fizesse como ele, assim teria de guardar o
segredo.
Helen ficou atordoada, descobrir que vampiros são reais
já seria bastante perturbador, mas seu esposo ser um deles era insanidade! E em
terceiro, para a loucura estar completa, ela estava sendo convidada à
imortalidade. Ela precisava de um tempo para pensar, mesmo que a eternidade ao
lado de seu amado fosse convidativa, ela estaria disposta a pagar o preço de
viver eternamente? Estaria disposta a ser uma assassina? A ver as pessoas que
ama envelhecerem e morrer?
Alguns meses se passaram até que ela se acostumasse à
nova condição de Albert e aceitasse ser imortal como ele, pediu apenas que
Louis não fosse transformado também, pelo menos até poder escolher por si só. A
mordida não era muito dolorosa, mas o veneno parecia queimar em suas veias e
quando subiu para a cabeça tornou-se quase insuportável. Depois do que pareceu
uma eternidade a dor cessou subitamente e seus sentidos se tornaram
extremamente aguçados.
Apesar dos novos atributos, Helen sentia-se humana. Ela
ainda podia amar, sentir medo, tristeza, felicidade e a garganta muito seca, de
repente notou que estava faminta. Olhando para se esposo viu cada detalhe de
seu rosto e pensou no quanto era belo, ele lhe disse que precisavam se
alimentar. Era o que ela mais temia: matar alguém para alimentar-se. Mas para
isto já havia pensado em uma solução que não lhe fosse tão desagradável, ela só
tiraria a vida de pessoas más.
Era noite quando Helen saiu acompanhada de Albert para
sua primeira caçada. Ela enxergava perfeitamente a despeito da débil
iluminação, sentia o cheiro de tudo e podia ouvir sons que estavam distantes,
ouvia inclusive corações pulsando. Seus olhos pousaram em um senhor mal
encarado que seguia duas jovens, Helen tinha certeza de suas más intenções e
escolheu sua primeira presa.
Furtivamente, o casal de vampiros acompanhou o homem que
ainda estava no encalço das senhoritas. Todos adentraram uma estrada deserta
àquela hora e o casal viu as jovens serem abordadas pelo senhor, que as agarrou
pelo vestido. Tomada por seus instintos de caça, Helen correu até sua presa e
libertou as jovens dizendo para correrem sem olhar para trás. Os olhos da
imortal tornaram-se vermelhos diante do rosto confuso do homem, então suas
presas se mostraram.
Albert juntou-se à esposa e os dois cravaram os dentes
naquele senhor, que gritou de dor enquanto o casal sugava-lhe o cálido líquido
vital. Somente quando a luz abandonou seus olhos e a cor esvaiu-se com o
sangue, a fria carcaça foi largada na estrada e os imortais saciados voltaram
para casa.
Com o passar do tempo, Louis cresceu e tornou-se um bom
homem. Quando lhe foi perguntado, optou por ser mortal. Ele casou com uma jovem
de boa família e teve uma filha, a quem deu o nome de sua falecida irmã. Helen
e Albert tiveram que morar em outra cidade para proteger suas identidades,
afinal eram jovens demais para ser avós, apenas Louis sabia a verdade.
Após a mudança, Albert passou a demonstrar cada vez mais
desejo por liberdade e aventuras, mostrava-se completamente diferente do rapaz
por quem Helen se apaixonara décadas atrás. Mas, em nome daquele amor, a
imortal adaptava-se a suas mudanças.
A jovem Lucy acreditava que a avó fosse irmã de seu pai,
e a suposta tia foi a primeira a conhecer de seu desejo de entrar para um
convento. A vampira ficou triste com a decisão, afinal era sua ultima
descendente, mas mesmo assim ajudou a jovem a realizar seu desejo. Louis e a
filha morreram de velhice, pondo fim à linhagem de Helen.
Inglaterra,
1945
Pouco
tempo após a morte da neta, a imortal teve a maior decepção de sua vida, ao
descobrir que Albert a enganara durante anos, traindo-a com outras vampiras e
mesmo com algumas de suas vítimas. A descoberta a teria matado se ela pudesse
morrer, mas Albert lhe havia tirado esse direito há mais de um século.
Aquele país lhe trazia lembranças dolorosas após a separação
e sem nada que lhe prendesse naquele lugar, ela viu um recomeço no Novo Mundo e
traçou seu destino rumo à América.
A vida de Sangue&Alma
Gabriela G. Bastos
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