sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A imortal (parte 3 - Anjos)

Canadá, 2015
            Um forte cheiro de sangue invadiu o recinto, não era sangue humano nem animal. O aroma entrou pelas narinas da bela mulher, despertando seu organismo. Faminta, seus olhos de ires vermelha se abriram e suas presas cresceram. Ela levantou-se em busca desse sangue diferente e deparou-se com um homem alto e forte escondido nas sombras.
            Percebendo o invasor, Helen ficou furiosa e cerrou os punhos, aproximou-se do estranho a passos largos e esbravejou:
            -Como ousa profanar este túmulo?
            O homem a mediu de cima a baixo e riu.
            -Vejo que não tens respeito por nada, por isso agora conhecerás teu fim.
            O estranho deixou as sombras, revelando asas que partiam de suas costas, elas eram brancas rajadas de sangue. Aquela aparição assustou a vampira e ela recuou alguns passos.
            -É o fim dos tempos? Vieste levar minha alma?
            A reação de Helen fez o anjo rir novamente.
            -Ainda não é o fim dos tempos e, mesmo que fosse, levar sua alma não seria tarefa minha.
-És um enviado do Céu ou do Inferno?
-De nenhum deles.
-Quem és, então?
-Me chamo Daniel, sou um anjo renegado.
Daniel era um querubim, casta de anjos guerreiros e fora renegado por participar de da irmandade que discordava do governo tirano de Miguel, o príncipe arcanjo. Agora estava preso em um corpo humano no plano físico, onde desprender as asas exigia muita energia.
As asas do querubim se recolheram e ele sentou entre as sombras, o cheiro de sangue continuava a exalar dos cortes recentes nos braços e rosto, provavelmente estivera em uma briga pouco antes de entrar no mausoléu.  Aquele aroma aumentava a fome da vampira, que já não se alimentava há dez anos.
-Só preciso descansar um pouco, em breve irei embora.
A imortal não queria atacar o celeste, por isso deixou o mausoléu para alimentar-se e voltou menos de uma hora depois. Ao flagrar o alado examinando o caixão de Benjamin, a fúria invadiu-a novamente.
-Afaste-se dele _Helen falou entre dentes
-Não farei nenhum mal a ele.
-AFASTE-SE!
Daniel recuou e a vampira se debruçou sobre o caixão, abraçando-o como se o lobo pudesse sentir. Então o recinto foi invadido por outro cheiro desconhecido, trazido pela brisa que passava pela porta entreaberta. O querubim enrijeceu e a imortal sentiu o perigo se aproximar.
Levados pelo instinto, os dois deixaram o abrigo do mausoléu. Helen preocupou-se em trancar a porta para proteger o corpo de seu amado. Um vulto alado deslizava entre as lápides negras em direção aos imortais. Era um anjo caído que outrora lutara ao lado de Daniel no exército celeste, mas aliou-se a Lúcifer, foi expulso do paraíso e agora tinha a missão de levar o renegado para o lado sombrio ou matá-lo.
            Diante da recusa de Daniel, travou-se uma sangrenta batalha que se mantinha empatada. Num deslize do renegado, o caído o encurralou, mas antes que pudesse desferir o golpe letal, a vampira o atacou, arrancando uma de suas asas negras.  Em desvantagem devido ao ferimento, o caído conseguiu fugir para a escuridão da noite e seu cheiro desapareceu segundos depois.
            O alado agradeceu a ajuda e antes que Helen voltasse à reclusão de seu sono eterno, ele alertou:
            -O anjo negro voltará quando se recuperar.
            -Ótimo, arrancarei a outra asa para ficar igual.
            -Aquele homem que você protege pode estar morto, mas sua alma é imortal. Você não faz ideia do que o caído fará se souber da sua ligação com ele.
            Helen estremeceu ao pensar na alma de Benjamin, que poderia ser torturada pelo anjo negro e, mesmo que lhe fosse doloroso, ela soube que não poderia permanecer ali então se despediu do lobo, trancou o mausoléu e partiu com o anjo, deixando seu coração naquele cemitério.
            Os imortais seguiram para o sul, onde poderiam se disfarçar entre os humanos. Depois de tantos séculos vivendo no plano físico, Daniel aprendera a conter as emanações de sua aura pulsante, que funcionava como o coração dos anjos e seu poder era sentido pelos outros alados.
            Chegando a uma cidade pequena, Helen e Daniel alugaram quartos numa pousada. Aquele era um bom esconderijo, mas não estariam seguros eternamente, pois quando o caído se recuperasse, certamente os caçaria.
            A vampira não simpatizava com o anjo e discutia com ele por qualquer motivo. Ele, pelo contrário, apreciava a companhia dela e lhe fazia várias perguntas, muitas vezes chegando a ser inconveniente, mesmo que não percebesse. Daniel via em Helen um coração humano com as marcas da imortalidade, olhos que viram os séculos passarem. E isso o encantava. Este encanto fez o querubim conhecer um sentimento humano que ele antes só ouvira falar e acreditava que seria impossível sentir: ele apaixonou-se. E em pouco tempo, assim como nos romances de que ouvira falar.
            Após um ano de convivência Helen aceitou a amizade de Daniel e aos poucos nutriu por ele sentimentos de carinho. Ela sabia que o alado queria mais que isso, mas por ora a imortal não estava pronta para amar novamente.
            Meses tranquilos se passaram até que o caído finalmente os encontrou para acertar contas. Sua asa havia se regenerado, mas várias penas fora do lugar deixavam ver uma longa cicatriz. Desta vez o infernal não viera sozinho, ao seu lado estava outro caído, este tinha asas de morcego e o rosto deformado.
            As criaturas sombrias ofereceram ao querubim uma última chance de juntar-se a eles e diante da nova recusa deu-se inicio a outra batalha. Daniel tentou ao máximo defender Helen, mas, mesmo com sua vasta experiência, não foi eficaz, pois os infernais eram grandes lutadores.
            Helen defendia-se bem durante a batalha e sabia que as asas eram uma grande fraqueza dos anjos, mas desconhecia a própria fraqueza. Aproveitando-se de um segundo de distração da vampira, o caído lhe injetou sangue de um morto. A imortal sentiu o fluido frio correr em suas veias queimando como ácido e viu Daniel assustado gritar seu nome, mas não ouviu som nenhum, então a escuridão a dominou.
            Ver Helen caída inconsciente deixou o anjo furioso e o fez lutar com todas as suas forças para derrotar os infernais. Ao matar o anjo negro, o segundo caído fugiu de volta às sombras. Daniel então se aproximou da vampira e ajoelhou-se ao lado dela, tentando despertá-la de qualquer forma. O sangue de morto agia como veneno para ela e só havia uma forma de trazê-la de volta.
            A vampira viu-se perdida num mundo disforme, ela tinha consciência, entretanto todos os pensamentos se dissipavam. Havia uma sensação estranha de dormência e ela não sabia dizer quanto tempo passara até que ela fosse substituída por um forte cheiro de sangue, que logo se tornou um delicioso sabor e a fez recuperar os sentidos.
            Ao acordar, a imortal deparou-se com o azul dos olhos do querubim e levou alguns segundos para perceber que seus dentes estavam cravados no braço dele.  Sangue de anjo pode fazer um humano imortal ou curar um vampiro no estado de Helen.

            Daniel sorriu largamente ao ver sua querida Helen despertar e, quando ela tirou os dentes de seu braço, ele agiu como um humano beijando-a nos lábios. Naquele momento, a imortal percebeu que a profecia de 200 anos atrás se cumprira. Sete pessoas deixaram de fazer parte de sua vida: seus pais, os dois filhos, a neta, Adam e Benjamin; após a morte do último ela se recusara a viver, adormecendo por dez anos e quando acordou, a Helen do passado havia morrido; não tivera filhos com o lobo; e agora percebia que correspondia os sentimentos do alado cumprindo a ultima parte: viver juntos a eternidade.

A vida de Sangue&Alma
Gabriela G. Bastos



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